quinta-feira, outubro 11

A diferença entre um anúncio eleitoralista e uma efectiva liberalização do ensino

Reproduzo aqui o comentário que deixei n'O Insurgente, a propósito deste post do André Azevedo Alves:


“Quanto à primeira questão, a única forma de a resolver seria liberalizar completamente o sector da saúde, a começar pela formação. Sendo permitida a criação de novas faculdades de medicina e eliminadas (ou pelo menos substancialmente reduzidas) as barreiras de entrada na profissão, caminharíamos gradualmente para uma situação em que os fortíssimos bloqueios actualmente existentes à oferta seriam levantados e acredito (embora não o possa garantir) que o número de novos médicos aumentaria muito substancialmente.”

A ser verdade que existe uma substancial falta de médicos em Portugal, esta estratégia daria frutos a médio prazo. É preciso não esquecer que uma licenciatura em medicina não é suficiente para iniciar a prática clínica. A especialização, que ocorre exclusivamente no SNS, é indispensável para a formação de médicos.

O que tenho criticado no anúncio do ministro, é o aumento abrupto das vagas sem qualquer explicação de como se processará a educação dos profissionais. Nos últimos anos, as diversas faculdades têm aumentado significativamente as vagas, estando no limite das suas capacidades. Para a maioria dos alunos dos primeiros anos, as dificuldades de aprendizagem são notórias, devido à falta de infraestruturas necessárias para um número elevado de alunos.

Em segundo lugar, o ministro não deu qualquer pista no sentido de haver uma efectiva liberalização o sector do ensino da medicina. Daí as minhas críticas. A ser anunciada tal medida, em que a abertura de mais vagas estará exclusivamente em faculdades privadas, nada tenho contra. Nas actuais universidades é simplesmente insustentável. É a qualidade destes profissionais que está em jogo, nada mais.

“- As elevadíssimas (e completamente injustificáveis) médias de entrada em todos os cursos de medicina;”

Eu sinceramente não compreendo o “injustificável”. Dada a enorme procura, não é normal as médias de entrada serem essas? E nem vou me pronunciar sobre a quantidade de pessoas que encontram formas de contornarem os concursos normais, através de contingentes.

“A questão não é saber quantos médicos o Serviço Nacional de Saúde (SNS) vai absorver. O objetivo do SNS é dar saúde aos portugueses, não é dar emprego aos médicos.”

É óbvio que concordo. Nunca disse o contrário, embora muitos tenham entendido como tal. O que escrevi foi simples: dado o modelo vigente no nosso país, em que o SNS é o grande responsável pela acção médica, caso este tenha um défice de profissionais, o estado deve ser responsável por contratar mais. Apenas caso se verifique um défice, obviamente. E tive o cuidado de afirmar que isto é de acordo com o actual modelo, pois como o André bem sabe, já escrevi sobre uma possível reforma deste modelo em dois artigos na Dia D.

“- A necessidade de recorrer à contratação de médicos estrangeiros;”

A contratação de médicos estrangeiros não é nada de outro mundo. Vejamos, se existe um sistema nacional de saúde em que nem todos os profissionais lá trabalham, vamos ter duas realidades. Se vários profissionais decidem não trabalhar no SNS, o sistema terá que procurar recursos para colmatar esse défice, daí a contratação de médicos de outras nacionalidades. Ora isso não é um indicador de falta de médicos, pelo menos na minha perspectiva. É um indicativo de falta de médicos no interior do SNS, pois não está preparado para cativar esses profissionais no sector público. E sobre isto falei no meu artigo sobre uma efectiva remodelação do SNS.

“- Os elevados preços dos serviços médicos no mercado português quando comparados com os de outros serviços.”

Por último, embora a escassez pudesse ser uma razão perfeitamente plausível para este facto, julgo que talvez exista um factor bem mais importante: o bom lobby que é a Ordem dos Médicos.

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